terça-feira, setembro 17, 2013
A Conspiração dos Abandonados
Em terça-feira, setembro 17, 2013 por Artur Coelho
António de Macedo (2007). A Conspiração dos Abandonados: Contos Neogóticos. Sintra: Zéfiro.
O sentimento de abandono dá o mote deste livro de contos do escritor e cineasta António de Macedo, atrevido autor de uma vasta e única obra que tem no oculto e sobrenatural a inspiração para deliciosos voos de imaginação. Abandono, mas não no sentido de desprezo ou renúncia. Aqui abandono significa mistério oculto, esquecido pela passagem do tempo, empoeirado pelos lustres, reduzido a ruínas de pedras dispersas, fragmentos de histórias condenadas ao oblívio. Destinos imprevistos aguardam aqueles que incautos ou por determinação se cruzam com estes segredos esquecidos pelo tempo contados em seis sólidos contos que são ao mesmo tempo intrigantes, soturnos, excitantes e escritos numa linguagem clara que sublinha a dramaturgia cinematográfica de Macedo.
O Mosteiro Abandonado: Este primeiro conto de A Conspiração dos Abandonados recordou-me Jan Potocki e o seu Manuscrito Encontrado em Saragoça pelo seu lado de mistério feérico num ambiente peninsular. Durante a guerra da restauração uma tropa castelhana entra pelo Alentejo dentro para saquear aldeias e pilhar gado. Os soldados vão desaparecendo misteriosamente, engolidos um a um por um lodaçal, até que restam o capitão e o capelão, que procuram abrigo num mosteiro arruinado. Sendo acolhidos por uma bela e misteriosa anfitriã, depois de uma lauta refeição são levados a conhecer o mistério da casa: três fontes que podem conceder a juventude, o regresso à vida ou a imortalidade. Só se pode escolher uma, e o capitão escolhe a imortalidade. Após beber das águas, tem um vislumbre de uma outra realidade: emboscados por soldados portugueses junto à fronteira, o capitão e o capelão são as únicas vítimas mortais da escaramuça que coloca em fuga as tropas castelhanas. É um conto que se destaca por um onirismo tenebroso onde a magia revela facetas obscuras.
A Noiva Abandonada: É curioso o contraste com o conto anterior. Onde O Mosteiro Abandonado era obscuro com a sua ambiência de trevas góticas, esta é uma história luminosa, escrita com uma marcante clareza pictórica. Lê-se como um possível argumento televisivo, aventura fantástica em que três amigos arqueólogos lutam contra o espírito de uma monja amaldiçoada que tenta reencarnar no corpo da noiva de um dos amigos, numa corrida contra o tempo onde a ciência se alia ao ocultismo para derrotar forças malévolas. É curiosa a justaposição entre a banalidade arquitectónica do urbanismo de classe média alta e a riqueza simbólica dos locais arqueológicos imaginados.
A Cadeira Abandonada: Uma fábula negra, ensaio ficcional sobre o poder das ideias num conto irónico onde pôr a cabeça a funcionar leva literalmente à loucura. A aquisição de conhecimento rouba-nos a inocência, como mostra o mito da maçã nas mãos de Eva e aqui a cadeira que provoca ideias na mente de quem nela se senta.
O Códice Abandonado: Novamente, um conto cristalino de fantástico onde um velho professor de línguas com pendor ocultista se vê mergulhado numa corrida para salvar Lisboa de um devastador terramoto. O decifrar de um livro abandonado encontrado por um casal singular, em que ela é uma sílfide humanizada e ele uma reencarnação de um feiticeiro romano apaixonado pela sílfide há mais de dois mil anos leva à descoberta de um segredo: forças ocultas sob o subsolo lisboeta utilizam o manuscrito secreto para sacrifícios telúricos, que se não forem cumpridos obrigam a violentos tremores de terra. Conhecido o segredo, resta ao singular casal aventurar-se nas arquitecturas fantásticas de uma cidade mítica que surge nalgumas noites de lua cheia num mouchão do Tejo para travar o relógio do tempo. Se o conto é uma aventura no fantástico de pendor ocultista e iniciático, é na descrição da cidade féerica que a luz lunar revela existir nas lezírias que a imaginação de Macedo mais se revela. Cidade de geometrias impossíveis e mecanismos intricados, deixa o leitor a imaginar um híbrido das arquitecturas lovecraftianas com o urbanismo poético de Calvino e o mecanicismo da relojoaria intricada.
O Caixão Abandonado: Conto de horror perfeitamente escrito, directo e tenebroso. Ao acordar, o amargurado jardineiro de um convento descobre um caixão no jardim que mal trata, e acaba por descobrir o real segredo do convento onde afinal as freiras já há muito faleceram e resta ao jardineiro ocupar o lugar que falta no sepulcro. Terror simples, eficaz e muito bem contado, uma brincadeira de mestre com o estilismo do conto clássico de terror com ambientes de mistério e finais surpreendentes.
A Cidade Abandonada: termina muito bem este livro de contos sobrenaturais com esta divertida história que consegue misturar mitologia suméria, a guerra no iraque e os mistérios históricos que alguns interpretam à luz das teorias dos antigos astronautas. Um grupo de arqueólogos portugueses desloca-se a ruínas iraquianas com uma intenção oculta: provar que certos artefactos misteriosos são vestígios de armas criadas por uma ciência antiga e avançada, interpretados pelos antigos sumérios como objectos mágicos. Ao penetrar nas ruínas, são arrastados no tempo para um passado longínquo onde assistem às lutas titânicas de seres de poderes incompreensíveis mas interpretáveis como aplicações de clonagem, armamento avançado e computação pelos olhos dos arquéologos perdidos numa cidade esquecida e num tempo antediluviano.
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