A literatura portuguesa de Ficção Científica
“Produtos característicos da civilização americana, estes dois géneros (o Jazz e a Ficção Científica) dispõem na Europa Ocidental (à excepção da Península Ibérica e provavelmente da Irlanda) de um vasto auditório e de um número crescente de adeptos”, assim escrevia o romancista inglês Kinsgley Amis [1]. Esta observação pode ser confirmada entre nós, mas não cabe aqui justificá-la.
Na verdade, se foi com a revista «Amazing Stories», em 1926 nos EUA, que se formaram os moldes da moderna Ficção Científica, só em fins da década de 50 apareceram as primeiras incursões portuguesas no género, sem, todavia, um posterior percurso ampliado ou implantado.
As experiências genuínas e de culto reduziram-se a esporádicas edições de autor, não havendo sequer na Imprensa ressonâncias críticas da produção nacional e internacional.
Ultimamente tem-se escrito sobre João Aniceto e o seu «O Quarto Planeta» (1986); o autor estreou-se em 1983 com «Os Caminhos Nunca Acabam», premiado com Daniel Tércio («A Vocação do Círculo») no Concurso de FC da Editorial Caminho. Sobre eles escreveu-se não muito favoravelmente numa coluna, aliás já extinta, do Jornal de Letras [2].
Num outro raríssimo texto sobre este tema, Fernando Saldanha [3] revela que conhecidos escritores dedicaram-se à FC; são os casos de Carlos Macedo, Fernando Melin, Maria Judite de Carvalho e Romeu de Melo [4]. Saldanha afirma ainda ser autor de um romance do género, «O Planeta Prometido», sob o pseudónimo de Jack Sawan [sic – o pseudónimo é Jack Swann].
Também obras como «O Grande Cidadão» (Arcádia, Lx.ª 1963) de Virgílio Martinho e “Jánika” (Círculo de Leitores, Lx.ª 1981) de Vitório Kali podem ter afinidades com a linha orwelliana e a «fantasy».
De referir também o volume Antologia Panorama de Antecipação (Galeria Panorama, Lx.ª 1968), que além dos consagrados norte-americanos, inclui contos de Dórdio Guimarães, F. Saldanha, Hélia, Lima Rodrigues, Luis Campos, Manuela Montenegro e Natália Correia.
Um romance auto-intitulado de FC, mas de uma ligeireza própria de alguém que pretende veicular a defesa do ultramar português, é “Um Homem de Outro Mundo” (Pax, Braga 1968) de Reis Ventura. Um ET aterra em Luanda e desde aí é escoltado pelas autoridades portuguesas, que logo o terão de subtrair às manigâncias das duas potências mundiais. Apercebendo-se do isoladamente (sic) de Portugal no contexto diplomático, o ET decide intervir na ONU a favor da questão colonial.
Eis a seguir os livros que mais rigorosamente seguem os modelos clássicos de FC, seja a “heroic fantasy” ou a “space opera”.
Em “A Morte da Terra” (Sociedade de Expansão Cultural, Lx.ª 1969) de Alves Morgado, os planetas do Sistema Solar estão colonizados pela Terra e sujeitos a um regime despótico. Há, contudo, um foco de rebelião em Ganímedes, satélite de Júpiter, para onde se dirige em missão um membro do Império; aí, este é seduzido pelos ideais rebeldes e participa na batalha pela libertação, facto de súbito consumado pela explosão do Sol que aniquila a Terra. A partir de Júpiter propaga-se, então, a “democracia mais pura que já houve algum dia”, onde a transmissão da história humana seja abolida.
“Em Busca de Novos Mundos” (Ed. Autor, Lx.ª 1965) de Oliveira de Fontemar é um livro bem escrito e estruturado, com acção e intensidade dramática, que nos conta a visita de uma tripulação terrestre a alguns planetas situados fora da Via Láctea e os seus esforços para compreender as suas formas de pensamento.
Luís de Mesquita, professor de bioquímica da Universidade de Lisboa, escreveu “A Ameaça Cósmica” (Liv. Sampedro Ed., Lx.ª s/d), confirmando o talento de narrador que já exibira em “O Mensageiro do Espaço”. Um cientista descobre que grandes cataclismos ocorrerão na Terra durante a passagem próxima de um cometa, procurando por isso alertar os mais poderosos governos, que não chegam a entendimento estratégico. Até ao instante fatal, sucedem-se vários desenlaces particulares entre personagens cujas relações ambíguas caminham para uma urgente redefinição.
Um caleidoscópio de situações é “Vieram do Infinito” (Minerva, Lx.ª 1955) de Eric Prince, pseudónimo de A. Maldonado Rodrigues, uma narrativa que transborda visualidade. Num distante e avançado planeta, um grupo de nativos tenta quebrar a monotonia quotidiana e o policiamento emocional de um “big brother”, teletransportando-se para a Terra de 1979 e tomando parte em envolvimentos desconhecidos.
Finalmente, “Canopus 98” (Ed. Autor, Lx.ª 1969) de Carlos Moutinho, é certamente aquele que melhor fundiu a FC clássica e potética (sic); dezena e meia de contos bem escritos numa confluência surrealista e bradburyana. Um grande autor!
NOTAS:
[1] “L’Univers de la Science-Fiction” (“New Maps of Hell”), Payol, Paris, 1962
[2] J. Santandré, “JL”, n.º 130, Ano IV, 1-1-85
[3] “Breve Nota Sobre a Literatura Portuguesa de FC”, in “Selecções Mistério”, n.º 6, Lx.ª Nov 1981.
[4] De Romeu de Melo: “AK”, 1959; “Não Lhes Faremos a Vontade”, 1970; “Buzina”, 1972; “Factor Genético”, 1973.
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