sexta-feira, outubro 25, 2013

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Fantasia portuguesa antes de Tolkien: sim, existiu.

Uma das críticas mais frequentes que se faz à fantasia escrita em Portugal é inspirar-se em demasia em modelos estrangeiros. Em Tolkien, para começar, mas também em outros autores que dominam o mercado internacional, e em lendas e vivências que nos são alheias, de origem anglo-saxónica, germânica ou nórdica. E é uma crítica que me parece válida, até porque, embora a fantasia portuguesa anterior ao boom da fantasia comercial de finais do século XX não seja propriamente bem conhecida (com a possível exceção de O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena, ou de A Dama Pé-de-Cabra, de Alexandre Herculano), ela existe. Mais: uma das principais inspirações da fantasia medieval, o romance de cavalaria, teve a sua origem precisamente entre nós, entendendo aqui "nós" no sentido de "Península Ibérica". Seria, portanto, de esperar que mais autores contemporâneos procurassem ler mais do que produziram os seus percursores em vez de se limitarem a importar e, eventualmente, adaptar.

Percursores como este Eduardo Augusto de Faria.

A Feiticeira do Douro é uma novela de fantasia já bastante vetusta, pois foi originalmente publicada há mais de cento e cinquenta anos. A história tem um ambiente medieval que só não é inteiramente banal porque para os leitores de fantasia de hoje os ambientes medievais típicos remetem para o norte da Europa e não para o norte de Portugal. Faria, como é óbvio, não se inspira em Tolkien e sucessores; antes faz o mesmo que estes autores fizeram, um século mais cedo, e vai beber diretamente às lendas da sua terra e aos cancioneiros.

Este livro, já o título o indica, passa-se na região do Douro, e centra-se numa velha bruxa que teria sido vítima de um hediondo crime passional muitas décadas antes e, depois de andar pelo mundo a alimentar o ódio, regressa para se vingar de quem cometeu o crime e da sua família, armada de feitiços.

Infelizmente, pese embora o pioneirismo, poucas qualidades encontrei em Faria e na sua prosa. Esta conta, claro está, uma grande tragédia, ao gosto romântico da época. Sentimentos superlativos e violentos, tiradas tonitruantes, muitos ohs, muita faca e muito alguidar. Quem sabe alguma coisa sobre os velhos clichés das histórias românticas cedo deduz todo o enredo quase aos mínimos detalhes, e Faria segue-o fielmente. Não é grande coisa como escritor, infelizmente, para não dizer que é francamente mau. Falta-lhe rasgo e sobra-lhe banalidade de ideias e de execução. E para piorar as coisas, os diálogos forçadíssimos de que faz uso talvez fossem ao gosto da época mas, pelo menos aos olhos deste leitor moderno, chegam a parecer ridículos. E há muitos, e confusos.

Em todo o caso há, ainda hoje, quem goste deste tipo de prosa. Há até quem a pratique. Portanto certamente haverá quem goste desde livrinho.

Mas eu não. Para mim, a maior curiosidade do livro residiu em algumas formas de organizar as frases, em expressões como "me faz", "me diz", esse tipo de coisa, que para a maioria dos leitores portugueses de hoje soa muito brasileira, mas não o é. É certo que Faria viveu no Rio de Janeiro (onde esteve envolvido numa série de falcatruas e de onde acabou por fugir para Londres), mas isso foi só depois de ter, em Portugal, malamanhado um dicionário de língua portuguesa, realizado um conjunto de traduções do francês que, ao que consta, eram horrendas, e escrito e publicado este livro. O homem era português, desonesto e incompetente, não necessariamente por esta ordem. Mas a forma de organizar as frases que muitas vezes apresenta tem, hoje, ressonância brasileira.

Curioso, não?

De resto, só encontrei no livro o inegável interesse histórico de mostrar que já em meados do século XIX se escrevia em Portugal fantasia de inspiração medieval. Fora isso... É um mau livro, com uma má história mal contada por um mau escritor. Está longe de ser o único. E mesmo sendo todas essas coisas pouco agradáveis poderia perfeitamente servir de base e inspiração para alguém mais competente criar algo de novo e decente. Para isso, contudo, seria necessário ser lido. E para isso seria preciso antes de mais nada estar mais disponível do que numa edição com vinte e tal anos, apenas possível de encontrar em alfarrabistas, geralmente a preços exorbitantes, em especial tendo em conta a exiguidade do volume e a fraca qualidade do que se encontra lá dentro.

Porque livros como este, sejam maus, sejam bons, sejam assim-assim, deveriam fazer parte da nossa memória coletiva enquanto povo. E para isso não podem estar trancafiados a sete chaves, especialmente nos tempos que correm, em que é demasiado fácil sermos invadidos pelo que outros produzem e distribuem vasta, fácil e tantas vezes gratuitamente. Evitaríamos ter de estar sempre a refazer experiências já feitas, a reinventar rodas que já se viu que tal funcionam. A acolher os outros com total ausência de referências próprias, apesar de estas existirem e até serem, por vezes (embora não desta), bastante melhores do que muito do que nos chega de fora.

Talvez um dia alguém pegue nesta história e a publique em ebook. Talvez um dia alguém leia o ebook e encontre nele material de base para desenvolver numa fantasia moderna mais sofisticada do que a romântica banalidade desta novela, ou pelo menos seja por ela levado a mergulhar nos cancioneiros em busca do nosso património lendário, que é bem menos pobre do que somos tantas vezes levados a supor, mesmo apesar da depredação causada por demasiados séculos de repressão inquisitorial e eclesiástica. Talvez um dia.

Texto republicado, com bastantes alterações, da Lâmpada Mágica (2011).

quarta-feira, outubro 16, 2013

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Contos Fantásticos Brasileiros

Páginas de Sombra Contos Fantásticos Brasileiros. Edição e apresentação de Braulio Tavares. Ilustrações de Romero Cavalcanti. Editora Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2003, 167 páginas.

Dois mil e cinco foi um bom ano para o escritor Braulio Tavares. Embora ele não tenha publicado um livro de ficção, compareceu ao mercado editorial com nada menos que quatro títulos, dois deles ligados à ficção científica e ao fantástico. O Rasgão no Real, um ensaio sobre a noção de realidade do ponto de vista da ficção científica (pela editora Marca de Fantasia) e a edição e organização da já celebrada antologia Contos Fantásticos no Labirinto de Borges, com ênfase em autores que seriam apreciados pelo mestre argentino.

Antes desta antologia, contudo, Braulio editou e organizou outra, há dois anos. Trata-se da antologia Páginas de Sombra: Contos Fantásticos Brasileiros, ambas publicadas pela editora carioca Casa da Palavra, em 2003. Na verdade as duas antologias são um projeto acalentado há anos que, entre uma atividade artística e outra, entre uma dificuldade aqui e acolá de publicação, finalmente apareceram para o encanto e deleite dos fãs de literatura fantástica.

Nesta oportunidade, comentaria o primeiro destes dois ótimos livros, especialmente importante por reunir autores brasileiros. Assim sendo, ao pegar o volume de Páginas de Sombra, já se percebe que o livro é especial. Não só pelos escritores selecionados, mas também pelo projeto gráfico bonito e arejado, enriquecido por ótimas ilustrações internas para cada história por Romero Cavalcanti.

O livro começa com um ensaio crítico chamado “Nas periferias do real ou O fantástico e seus arredores”, didático e ao mesmo tempo pessoal, apresentando alguns dos elementos centrais da chamada literatura fantástica, enriquecidas com uma interpretação própria do aqui crítico Braulio Tavares. Busca uma definição básica do fantástico, narra um pouco da trajetória e de algumas características do fantástico brasileiro, relacionando em seguida com o Horror e seus próprios pilares, como os fantasmas e o gótico. Para concluir com uma breve, mas instigante reflexão sobre a ausência de florescimento de uma literatura fantástica no Brasil, embora ela seja bem mais praticada em comparação com a ficção científica, por exemplo.

Ele argumenta que talvez seja porque a literatura brasileira ainda seja jovem – como o próprio país, aliás –, e que ela ainda está mais afeita por explicações calcadas no realismo, do que no fantástico, dada a urgência de problemas a serem resolvidos em nossa sociedade. É uma explicação pertinente mas que talvez seja insuficiente, especialmente se considerarmos como o Brasil vem mudando nestes últimos 25 anos, com uma profunda mudança em sua estrutura industrial e socioeconômica sem, contudo, alterar seu quadro de desigualdade social. E isto trouxe, será por coincidência?, em seu rastro, uma Segunda Onda da ficção científica, que tem sido a mais militante, produtiva e de melhor qualidade em comparação com qualquer outro momento histórico em nossa literatura, ainda que de alcance restrito no conjunto das letras nacionais.

De qualquer forma, uma antologia como esta ajuda a contextualizar o cenário histórico e recuperar algumas jóias esquecidas (ou pior) não conhecidas pelos fãs mais jovens de ficção científica e literatura fantástica.

Assim, este livro traz 16 histórias que vão de 1884 a 1995, cobrindo praticamente um século de produção. Obviamente, toda escolha é arbitrária mas o organizador Braulio Tavares procurou, até onde foi possível, equilibrar o gosto pessoal com a representatividade de uma história ou de seu autor. E estas duas características ficam explícitas na pequena introdução a cada história, onde o organizador já apresenta o autor e sua relação com o fantástico, bem como em que a sua literatura em geral dá mostra, ainda que implicitamente, de insights e especulações nada realistas.

O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade abre a antologia com a despretenciosa “Flor, Telefone, Moça”, de 1951. Tem uma narrativa bela, melancólica e surpreendentemente sobrenatural, no relato de uma moça que retira uma flor de um jazigo e passa a receber estranhos telefonemas. O produtor e antologista da TV americana Rod Serling (1925-1975) certamente ficaria interessado em filmar o conto para uma de suas séries – Além da Imaginação ou Galeria do Terror – caso viesse a ler a história.

O conto a seguir é “A Podridão Viva”, de autoria de Amândio Sobral, um dos escritores esquecidos que são recuperados neste livro. A história, publicada originalmente em 1934, tem um clima bem construído, situando a ação no interior profundo de uma inexplorada e distante floresta africana. Uma das regiões mais exóticas do planeta – naquela época – e ainda hoje. O impacto dos detalhes da expedição e da aparição são muito reforçados pela adjetivação e pelo choque emocional sofrido pelo protagonista.

“Teleco, o Coelhinho” é o conto seguinte, assinado por um dos grandes fantasistas brasileiros, Murilo Rubião. Nesta história de 1965, uma fantasia em estilo clássico, muito bem narrada, com vívida imaginação e sentido alegórico. A situação absurda que se insere no cotidiano e passa a com ele conviver tem aqui um relato dramático e triste, mostrando personagens solitários em busca de compreensão e amizade.

Já o conto seguinte é de Berilo Neves, um escritor best-seller da literatura brasileira dos anos 30, hoje também relegado ao pó das estantes e à leitura eventual de um pesquisador mais dedicado. Um deles, o escritor Roberto de Sousa Causo contribuiu para dirimir um pouco este ocaso, publicando uma edição temática sobre ele no seu fanzine Papêra Uirandê, há alguns anos. Em todo caso, “A Última Eva” é mais um esforço de recuperação de um autor realmente curioso. Sua ficção científica não é mais do que sátiras relativamente superficiais sobre casais apaixonados em suas andanças pelos planetas do Sistema Solar.

Porém a esta aparente ingenuidade se insere uma temática extremamente machista e misógina, tal como mostrado neste conto, onde uma misteriosa epidemia varre as mulheres do mundo, num tema relativamente freqüente na ficção científica como, por exemplo, no instigante e irregular romance O Planeta Esparta, do americano A. Bertram Chandler, publicado no Brasil nos anos 70, pela editora Nosso Tempo. No fim das contas, a presença de Berilo Neves se justifica mais por sua representatividade histórica do que por sua qualidade temática ou literária, exemplificado neste conto com um enredo forçado tanto no humor, quanto no desdobramento das situações.

Lília Aparecida Pereira da Silva é outra autora relativamente esquecida que dá as caras no livro com o curtíssimo “A Máquina de Ler Pensamentos”. Não muito mais do que uma espécie de variação feminina para o monstro de Frankeinstein, com semelhantes descrições do que Braulio Tavares chama de ‘ciência gótica’ para textos deste tipo. Bizarro e com boa ambientação, não vai além da intenção de ser uma história efetiva, sendo verdadeiramente nada mais do que uma vinheta.

O que não é o caso, absolutamente, da história a seguir. Simplesmente “A Escuridão”, o maior clássico da ficção científica brasileira. André Carneiro consegue, com este texto de 1963, se ombrear com o que de melhor já se fez neste gênero em um nível internacional – tanto que é o seu texto mais publicado mundo afora.

 Repentinamente as luzes desaparecem e a civilização mergulha nas trevas. Wladas procura primeiro entender o absurdo, para aos poucos lutar desesperadamente para superá-lo. Como aponta Braulio Tavares, o estilo distanciado e atemporal só acentua a estranheza da narrativa, bem como sua intensidade humana e dramática. A história tem uma fluidez demorada, outra peculiaridade que transmite uma sensação de angústia não só aos personagens, mas também ao próprio leitor. Um texto realmente bem escrito, em seus detalhes, primoroso no tratamento dos personagens e com um final inesquecível. Disparada a melhor história deste volume.

O maranhense Coelho Neto foi colocado depois da obra-prima de Carneiro, o que dificulta uma boa avaliação de sua história – aliás, como seria com qualquer outra das histórias desta antologia. Em todo caso, Coelho Neto é um dos mais notórios esquecidos da literatura brasileira, extremamente influente entre seus pares e prolixo em seu tempo, da segunda metade do século XIX até as três primeiras décadas do século passado.

Seu romance A Esfinge (em 1908 a primeira aparição. A edição que eu tenho é da editora Lello & Irmão, Porto, 1925), deveria ser procurado e lido, pois é uma história forte e interessante, sobre um homem que recebe o transplante da cabeça de uma mulher, numa variação curiosa da chamada ‘ciência gótica’ à lá Frankeinstein. Para esta antologia, Braulio selecionou o conto “A Casa ‘Sem Sono’”, uma narrativa bem escrita e de tema misterioso, numa especulação diferente ao tema da casa assombrada. Poderia render mais, se tivesse explorado mais as situações apresentadas.

“A Gargalhada”, de Orígenes Lessa, mostra como uma situação banal se transforma de forma inexplicável e surpreendente em fantástica. Uma risada gereralizada, ininterrupta e coletiva acaba por se transformar num inusitado horror. Vale conhecer, ainda que como referência para a ficção científica, sua novela A Desintegração da Morte (1948, publicado, entre outras edições, pela Futurâmica, número 568), seja o seu texto principal e conhecido.

Adelpho Monjardim, outro autor pouco lembrado nos dias que correm, é ‘redescoberto’ neste livro com “O Satanás de Iglawaburg’, um conto que lembra bem o estilo das weird fictions publicadas nas pulp magazines norte-americanas dos anos 30 e 40 do século XX. O conto tem um estrutura gótica assumida, com resquícios reconhecíveis de Edgar Allan Poe e seu clássico “A Queda da Casa de Usher”. Obviamente, a qualidade literária do autor capixaba fica a anos-luz do norte-americano de Boston, mas o mais importante neste caso, é que a narrativa tem um bom nível de entretenimento, envolvendo o leitor e mostrando um horror que se assume muito mais no plano psicológico do que no sobrenatural.

Uma situação semelhante ocorre no conto seguinte, “As Academias de Sião”, de Machado de Assis. Só que aqui o fantástico explícito se traveste de situações alegóricas, um recurso muito usado pelo autor em suas intermitentes incursões ao fantástico. A intenção inicial, no caso, é satirizar as acadêmicas literárias e científicas, tão em voga em fins do século XIX, mas o conto acaba tendo mais efetividade na situação prática vivida pelos dois personagens principais. Pois eles resolvem ‘trocar’ se sexo: um rei passa a ser mulher e uma rainha assume o papel masculino dentro da trama. Contudo, ainda que seja interessante pelo fato de ser de Machado de Assis, a história não consegue ser nada além de chata e mal concatenada em seus objetivos temáticos.

O que não é o caso do texto de Rubens Figueiredo, a noveleta “O Caminho do Poço Verde”. Partindo de uma premissa simples, temos o choque civilizatório do ‘interior profundo’, na experiência de uma mochileira. A história é rica em seus detalhes, como a descrição da natureza, das pessoas do meio rural e seus costumes rudes, sua linguagem peculiar – que por vezes, beira a dialetos nesse ‘brazilsão' interminável e desconhecido –, sua interação quase mágica com crenças oriundas do imaginário da natureza. É interessante também o fato de que todas os personagens ativos são mulheres: da viajante Diana às ‘bruxas’ do mato. E o tal do Aruê, é um mal que não se anuncia, mas se pressente, em meio a uma atmosfera sobrenatural que se acentua paulatinamente. E para fechar, temos o tal do ‘poço verde, como um lugar mítico, onde o mal pode ser derrotado.

Publicado originalmente em 1994 na coletânea O Livro dos Lobos – conforme é informado na introdução da história –, poderia ter disputado fortemente o então Prêmio Nova. Dado o desconhecimento do fandom, a história só agora nos chega e se coloca como uma das melhores histórias curtas do gênero fantástico publicadas no Brasil em 2003.

Depois de uma travessia intensa e surpreendente com a noveleta de Figueiredo, a próxima história – como já havia ocorrido com o conto que sucedeu a obra-prima de André Carneiro –, de saída sai prejudicada. Mas desconfio que neste caso nada poderia ajudar a melhorar a condição de “Íblis”, de Heloísa Seixas. Contando basicamente a história de uma pesquisadora vítima de uma maldição, o texto peca pela chatisse e empolação. Seixas sabe escrever, mas transmite um pedantismo e uma futilidade à flor da pele, de tal forma que passei a torcer pelo destino funesto da personagem. A história mais fraca de todo o livro.

Justamente (quase) o oposto do conto de Lygia Fagundes Telles, “As Formigas”. Um conto muito bem construído em sua trama e desenvolvimento, bem como na ambigüidade entre o real e o irreal que transmite, gerando uma situação de indeterminação, tanto no leitor, como nos próprios personagens. O mistério propriamente dito está por se insinuar – e recua –, para depois se insinuar de novo, de forma mais sutil e efetiva, especialmente no trecho final da história. Competente.

Já a palavra para definir de saída o conto seguinte é sofisticação. Num texto muito bem trabalhado, tanto na forma, como nas imagens que transmite, o “Luvibórix”, de Carlos Emílio Corrêa Lima, tem uma narrativa que provoca estranhamento não apenas pelo tema em si, mas pela prosa intrincada e caprichada que estrutura a história. Mesmo assim, do ponto de vista de uma narrativa mais fluente e que pede uma certa linearidade causal, o texto não consegue se completar, ficando a sensação conclusiva de uma prosa sofisticada sim, mas sem um objetivo temático claro.

Humberto de Campos é outro autor recuperado pelo organizador da antologia, e que era, em seu tempo, possivelmente o mais popular e produtivo escritor brasileiro. Em “Os Olhos que Comiam Carne”, estamos diante de um tema muito bem explorado por um cineasta igualmente produtivo, o americano Roger Corman que produziu e dirigiu em 1963, o clássico B, O Homem dos Olhos de Raio X, numa interpretação classe A de Ray Milland. Se você já viu este filme, poderá esperar do conto de Campos uma temática e – principalmente –, um desfecho parecido. Mesmo sendo um motivo a menos para se surpreender, o texto vale uma lida pela maneira própria e singular que o autor brasileiro concebe uma interpretação para a história.

E fecha a antologia um clássico do horror brasileiro, “Demônios”, de Aluísio Azevedo. De um escritor que é considerado um dos principais expoentes do Naturalismo li, nos tempos do Segundo Grau, dois de seus principais livros dentro desta vertente, O Mulato (1881) e O Cortiço (1890). E depois de tantos anos, me recordo do quanto fiquei impressionado especialmente d’O Cortiço, pela verossimilhança dos personagens e pelo esforço bem-sucedido de ambientação social realizada pelo autor.

Já neste conto, temos a inversão desta lógica naturalista. Os caminhos aqui se esvaem de explicações cartesianas, vislumbrando um ambiente sombrio, nada aprazível. Numa narrativa carregada fortemente de dramaticidade, temos a construção de um complexo e profundo pesadelo, com a inevitável – porém descartável –, ‘pegadinha’ no fim. De novo, aqui – e bem antes do ponto de vista histórico, diga-se –, temos mais uma variação do ‘mundo da escuridão’, onde se dá total e inexplicável ausência de luz. E há momentos marcantes, como a seqüência das transformações físicas, impressionando e causando um eficaz sense of horror.

Páginas de Sombra: Contos Fantásticos Brasileiros é uma antologia da melhor qualidade em seu conjunto, fazendo frente a uma dos mais difíceis desafios a toda antologia: equilibrar a qualidade média das histórias. Goste-se mais ou menos de um texto, mais ou menos de um autor, a concepção da obra atinge seus objetivos de passar uma idéia geral da história e das principais características do chamado ‘fantástico’ feito no Brasil.

Contudo, dois tipos de ausência chamam a atenção. Embora a seleção dos autores tenha sido, em geral, bastante criteriosa, causa espanto que dois autores maiúsculos da literatura brasileira não apareçam: José J. Veiga e Guimarães Rosa. Quero crer que Braulio Tavares os selecionou, o problema deve ter sido com os direitos autorais. Veiga é um prosador e contista do mais alto nível – e diretamente voltado ao fantástico – e Rosa, além de ser um dos grandes nomes da literatura brasileira de qualquer época, também exprimiu-se em histórias fantásticas a certa altura de sua carreira. Aliás, o próprio Braulio tem se encarregado de divulgar esta temática do autor, publicando ensaios em jornais e fanzines sobre o assunto.

A outra ausência é a de nenhum escritor do chamado fandom literário de ficção científica destes últimos 20 anos. Braulio Tavares até justificou, dizendo que inicialmente havia pensado em incluir um ou outro autor. Poderia, até para evitar o equívoco de incluir um conto ruim como “Íblis”, por exemplo. Duas boas histórias fantásticas que não fariam feio neste livro: “Aprendizado” (1993), de Carlos Orsi Martinho e “A Nuvem” (1993), de Ricardo Teixeira. Isso para não recomendar histórias do próprio Braulio, que ele já publicou ou poderia escrever. Fica para uma outra oportunidade uma nova versão desta antologia, que inclua os autores brasileiros contemporâneos voltados especificamente à ficção científica ou – de uma forma que soe melhor aos sensíveis ouvidos do mainstream – ao fantástico.


Marcello Simão Branco, co-autor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, é professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
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Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro

Ficção científica brasileira: Mitos culturais e nacionalidade no país do futuro (Brazilian science fiction: Cultural myths and nationhood in the land of the future), M. Elizabeth Ginway. Editora Devir, São Paulo. Tradução de Roberto de Sousa Causo. Capa de Gastão Esteves sobre ilustração de Ionaldo Cavalcanti, 296 páginas.


Para agradável surpresa da comunidade brasileira de ficção científica, o livro Ficção científica brasileira: Mitos culturais e nacionalidade no país do futuro, da acadêmica americana M. Elisabeth ‘Libby’ Ginway foi publicado no país, pela editora Devir, apenas um ano depois de seu lançamento nos Estados Unidos.

De início o que mais chama a atenção é o fato de a primeira obra importante, com chancela acadêmica, sobre a ficção científica brasileira atual tenha vindo do exterior e não de um dos seus participantes ou da crítica literária brasileira. Isso só vem a reforçar o clichê de que não valorizamos o que é nosso e de que só passamos a fazê-lo a partir do momento que é reconhecido por alguém do exterior.

Certamente este comentário não se refere à comunidade de fãs e escritores de ficção científica brasileira, que vem lutando pelo gênero em sua atual fase há pouco mais de duas décadas. Em todo caso, o estudo de ‘Libby' Ginway, professora de literatura da Universidade da Flórida, em Gainesville, tem seus méritos próprios. Tanto pelo tema em si que nós é caro, como pela qualidade e competência mostrada na obra.

Ficção científica brasileira enfoca o gênero dos anos 60 para cá, justamente os períodos históricos em que a memória da comunidade brasileira dedicada ao gênero tem mais lembrança e contato com pessoas ainda vivas. Nesse sentido ele faz uma espécie de diálogo cronológico com o outro livro recente sobre o gênero, Ficção científica, fantasia e horror no Brasil: 1875-1950, de Roberto de Sousa Causo, de 2003.

E sim, a vinculação entre as duas obras é, obviamente, temática e também cronológica. Pois os ângulos de abordagens analíticos são distintos. Causo estrutura sua obra nas influências históricas e culturais da ficção científica estrangeira para o desenvolvimento do começo dos gêneros no Brasil, estabelecendo um contato direto com a crítica e tradição literária nacional. Já Libby enfoca sua obra como meio de compreensão da ficção científica como um fenômeno cultural e antropológico, tornando mais claro algumas das motivações e símbolos da identidade brasileira e seus processos de transformação.

O livro está dividido basicamente em três grandes capítulos, mas a introdução e o epílogo também merecem a devida consideração, o primeiro por apresentar os conceitos e justificativas da obra e o segundo pelas perspectivas que aponta para o futuro do gênero no Brasil.

Assim, temos em “Introdução: Ficção científica, desenvolvimento e mitos de identidade cultural”, um texto que já vale como uma espécie de primeiro capítulo. Ela apresenta os temas de seu livro em suas linhas gerais, abordando a ficção científica brasileira primeiramente em torno de seus mitos nacionais, como o ‘paraíso tropical’, ‘democracia racial’, ‘um povo dócio e sensual’[1] e o país com seu “potencial de grandeza”, por ser “abençoado pela Natureza”.

A partir da exposição destas mitologias, procura contextualizar o quadro sociopolítico no qual a obra se insere, ou seja a partir dos anos 60, com a ditadura militar de 1964 a 1985 e o período atual de democracia que vivemos. Já aqui o foco principal é o processo de transformação social e tecnológica que o país viveu durante os últimos 40 anos, ou seja sua transformação do tradicional para o moderno, do rural para o urbano, do pessoal para o impessoal, do autoritário para o democrático, do mágico para o racional, em um caminho sempre feito de nuances e contradições tão próprio de um país desigual como o Brasil.

E dentro deste contexto cultural e social maior, sua abordagem prioriza a ficção científica como parte de um discurso que se refere às questões nacionais e de identidade, procurando entender como o gênero pode iluminar estes temas e ainda se relacionar com os paradigmas da ficção científica anglo-americana. É uma linha interpretativa que se ensaia como das mais interessantes no início da obra, abrindo várias possibilidades de análise para além do gênero em si, a conectando com estudos de um caráter mais sócio-cultural.

O primeiro capítulo aborda a chamada “Geração GRD”. Em “A ficção científica dos anos sessenta: Mitos culturais no país do futuro” temos a apresentação da chamada ‘emergência da ficção científica no Brasil’, com suas características, principais autores e obras.

Nos anos 60 a ficção científica brasileira tem um forte caráter humanista e anti-tecnológico, além de, segundo a autora, reforçar certas tradições da cultura brasileira e a posição periférica do país em relação ao Primeiro Mundo. Ela segue os passos do crítico americano Gary K. Wolfe, da revista Locus, a partir de sua obra The known and the unknown: The iconografy os science fiction (1979), procurando analisar as obras de ficção científica, a partir dos temas-chave mais abordados na época entre nós: o robô, o alienígena (humanóide e não-humanóide), mutantes, a espaçonave, a cidade e a terra devastada (wasteland) e como cada um deles pode ser interpretado tanto em comparação com o que fazem os americanos, como em relação com os mitos e identidades nacionais. Assim, de acordo com ela, “a preocupação com a identidade brasileira vista nessas primeiras histórias de ficção científica funciona como uma espécie de resistência contra a cultura da tecnologia, que é percebida como não-brasileira. Ao recorrer a esses mitos culturais, contudo, a ficção científica brasileira reduz a identidade nacional a uma série de estereótipos, revelando a feição conservadora da sociedade brasileira.” (na página 91).

Ainda com relação a este primeiro capítulo é pertinente observar que talvez tenha faltado explorar um pouco mais um possível paralelismo com a New Wave, bem como a falta de vínculo dos autores brasileiros com os temas e tradições da ficção científica anglo-americana. Talvez a partir daí, fosse possível entender melhor esta priorização anti-hard e mais voltada a assuntos sociais e psicológicos da ficção científica brasileira da época, ainda que, concordando com a autora, fosse mais resignada do que contestadora da ordem vigente no Brasil.

Já o segundo capítulo, “Ficção distópica brasileira: Protestos contra a repressão, a modernização e a degradação ambiental”, é especialmente interessante por dois motivos. Primeiro porque aborda o período do regime autoritário brasileiro (meados dos 60 a meados dos 80) do ponto-de-vista da literatura brasileira. E segundo porque expõe e analisa um conjunto de obras raramente considerados como pertencendo ao gênero pelos fãs e especialistas brasileiros do gênero.

É fato que a comunidade brasileira de ficção científica da década de 60 (“O Primeiro Fandom”), arrefeceu com as conseqüências políticas e sociais do golpe militar de 1964. Em termos históricos, talvez seja possível esticar a existência desta comunidade até, digamos, novembro de 1971 com a publicação da vigésima e última edição do Magazine de Ficção Científica, da editora Globo de Porto Alegre, pois esta revista[2] era comandada pelo escritor Jerônymo Monteiro, que falecera em junho de 1970. Assim, durante toda a década de 70 não houve – até onde se sabe nos dias de hoje – uma comunidade de fãs e escritores dedicados prioritariamente à ficção científica[3], que só voltaria a ocorrer no início dos anos 80.

Mas se não houve um movimento organizado tivemos escritores que dedicaram atenção à ficção científica, ainda que de maneira duplamente indireta. Primeiro porque não eram obras de ficção científica com temas tradicionais da ficção científica (como aqueles abordados nos anos 60), e segundo porque tais obras utilizaram o gênero de uma maneira instrumental, para servir aos seus objetivos metafóricos de crítica à ditadura militar.

Embora escritas por autores vinculados ao chamado mainstream, são obras de ficção científica e neste particular discordo em parte da autora, quando ela procura diferenciar o gênero como um todo de um subgênero, que seria de ‘ficção distópica’. Ela justifica a distinção, argumentando que na ficção científica os enredos têm mais ação e aventura, enquanto no subgênero distópico há menos ação real. Concordo aqui de forma genérica. Mas a seguir, cita o crítico Keith Booker, que afirma: “a ficção distópica difere da ficção científica na especificidade de sua atenção à crítica social e política” (página 93). Tudo bem, mas será que não há também em obras de ficção científica este mesmo apuro crítico? Romances representativos de ficção científica escritos por autores diretamente vinculados ao gênero põe em dúvida esta assertiva, como por exemplo, Mundos fechados (The world inside), de Robert Silverberg (1971), Identidade perdida (Flow my tears, the policeman said), de Philip K. Dick (1974) e Os despossuídos (The dispossessed), de Ursula K. Le Guin (1974). Aliás, como indicado nas datas, escritos na primeira metade dos anos 70, só que nos Estados Unidos. A meu ver são obras de ficção científica que discutem a fundo os problemas sociais e políticos de sua época, construindo visões de mundo distópicas.

Prefiro, então, considerar as obras escritas no Brasil nos anos 70 como ‘ficção científica distópica’. Na visão da autora elas têm um estilo mais elaborado do ponto de vista literário e procuram extrapolar criticamente alguns aspectos subjacentes do regime militar, como a repressão política e a censura, a modernização industrial intensa, além de problemas conseqüentes, como a superpopulação, a massificação e perda da identidade individual, o papel contraditório da mulher (emancipador e moralmente reprimido), além de problemas ecológicos graves.

Assim, há romances importantes que, com o lançamento de Ficção científica brasileira, devem ganhar uma atenção maior do leitor mais tradicional de ficção científica como, por exemplo, Fazenda modelo, de Chico Buarque (1974),  O fruto do vosso ventre, de Herberto Salles (1976), Adaptação do funcionário Ruam, de Mauro Chaves (1975), Um dia vamos rir disso tudo, de Maria Alice Barroso (1976), Asilo nas torres, de Ruth Bueno (1979), Umbra, de Plínio Cabral (1977) e Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão (1981), autor que também tem analisado o conto “O homem que espalhou o deserto”, da coletânea Cadeiras proibidas (1977).

É provável que o conhecimento de obras como essas permitam uma maior abertura do leitor brasileiro de ficção científica com temas e/ou autores não diretamente vinculados ao gênero, abrindo o leque de opções e enriquecendo a compreensão do gênero em si, especialmente durante os ‘anos de chumbo’ de tão triste memória.

Para Lybby Ginway, de um modo geral, este conjunto de obras ‘distópicas’, contudo, a pretexto de criticar a situação social e política da época, terminam mais por reforçar os estereótipos nacionalistas elencados por ela na introdução de sua obra. E, observando de sua ótica feminina, tais obras colocariam a mulher numa situação mais paternalista, do que de emancipação de sua condição   subalterna na sociedade.

 O terceiro capítulo é o mais esperado, por nós contemporâneos deste período. Em “A geração pós-ditadura: Renovação, pós-modernidade e globalização”, a autora volta a se utilizar dos temas-chave mais escritos no período, como a ficção científica hard (ditadura e o legado do desenvolvimento), cyberpunk (crítica social ou novos mitos da identidade brasileira), robôs e computadores (examinando raça, classe e gênero), alienígenas (encontros alienígenas: reações brasileiras à globalização, com alienígenas invasores, alienígenas amigos e mentores, alienígenas enigmáticos), histórias alternativas e universos paralelos: herança do Brasil colonial, a mulher na ficção científica.

Esta geração das últimas duas décadas é conhecedora dos conceitos e principais obras e autores do cânone anglo-americano da ficção científica. Em sua maioria, são leitores ávidos do gênero que se transformaram em escritores trazendo, desta forma, uma bagagem ampla de leitura do gênero. Esta é uma das distinções desta geração, ao contrário das duas anteriores, de pouca leitura e identificação com o gênero em si – apesar de mais bagagem literária e cultural em geral. E, de acordo com Libby Ginway esta intimidade com o gênero, além do processo de modernização já estar adiantado em relação às décadas anteriores, permite a este conjunto de autores uma postura menos xenófoba em relação à ciência, rediscutindo os mitos da identidade nacional, de forma a atualizá-los e questioná-los, à luz da nova realidade política e social vivida pelo Brasil nos últimos do século XX.

Por este rol de assuntos e novas abordagens de aspectos da cultura nacional, bem se vê o quão complexo e diversificado tem sido, ao menos em termos temáticos, a ficção científica que ressurge na chamada ‘Segunda Onda’, nos primeiros anos dos anos 80.

Talvez por ser o capítulo que merece as maiores atenções, ao menos por um leitor-resenhador contemporâneo desta fase como eu, percebe-se a competência e a surpreendente sagacidade da autora, por aspectos e detalhes às vezes pouco notados – especialmente com respeito à crítica social das obras cyberpunks e da reconstrução crítica da História brasileira, a partir dos temas da história alternativa.

Sua análise merece destaque também pelo fato de que é feita por uma observadora “de fora”, equidistante e desapaixonada das polêmicas e problemas enfrentados no interior da ficção científica brasileira entre seus praticantes.

Suas análises, comparando aspectos da ficção científica dos anos 60 e também com a tradição anglo-americana chamam especialmente a atenção, pois mostram características instigantes do que ela nomeia de ‘ficção científica pós-ditadura’, a colocando a par com as profundas transformações políticas, sociais e tecnológicas vividas pelo Brasil. E também de como uma análise da perspectiva do ‘Outro’, ou seja de um país periférico – também na ficção científica –, pode ajudar a contrapor aspectos da própria ficção científica dominante, a anglo-americana.

Este capítulo é o texto mais importante já escrito sobre a atual geração da ficção científica brasileira. E, como apontei acima, por ser escrito por uma respeitada observadora estrangeira, lhe confere um status de centralidade muito bem-vindo em comparação com os textos por vezes competentes escritos pelos brasileiros, mas que perpassam o sentimento de inevitável influência e subjetividade de quem é observador e objeto ao mesmo tempo.

Para encerrar o livro, temos “Epílogo: O futuro da ficção científica brasileira”. A autora aborda alguns dos problemas centrais para um maior reconhecimento do gênero na literatura brasileira, acentuando seu caráter marginal, além do pouquíssimo espaço que lhe é conferido pelo mercado editorial.

Por estas dificuldades ela aponta que uma opção por uma ficção científica de maior apelo popular e de entretenimento seja uma saída mais rápida e ‘fácil' para uma maior aceitação de público do gênero. E, com esta observação, ela termina por adotar uma posição de relativo otimismo com respeito ao futuro do gênero do país.

Ao contrário, penso que esta opção recente por uma ficção científica mais pulp, superficial no tratamento de temas e personagens, com uma provável perda de melhora no estilo e na forma, aponta para um caminho de mais dificuldade, no qual à pretexto de se aproximar de um mercado que lhe é refratário, o gênero deixe de ter o papel crítico instigante por ela apontado em algumas das obras mais representativas destes anos 80 e 90, e ainda perca a oportunidade de um maior reconhecimento crítico, ao se fiar nesta opção mais comercialesca, tendência visível entre alguns dos autores mais importantes nestes últimos anos.

É de se observar ainda que o recorte da autora, especialmente neste terceiro capítulo tem gerado uma certa polêmica, entre os poucos que leram seu livro. É óbvio que toda escolha é arbitrária e a autora tem o direito de fazer as suas, especialmente se amparadas por uma boa estrutura de argumentos e de metodologia, como o seu caso. Mas ao menos dois autores ausentes poderiam ter ganhado certo espaço em sua análise, como Fábio Fernandes e Carlos Orsi Martinho. O primeiro por suas histórias paranóicas e socialmente contestadoras, especialmente no plano individual dos personagens, o que atestaria sua análise interessante do homem pós-moderno, sem rumo e à procura de libertação das amarras sociais aos quais está preso. O segundo por sua interessante conexão intergêneros, mais especificamente, a ficção científica e o horror – este um gênero de raízes tão fundas na cultura popular brasileira –, e de como coloca de forma competente uma vertente mais aventuresca do gênero. Mesmo que, seja oportuno ponderar, estes dos autores estejam recaindo demais nos aspectos ‘pulpescos’, que critiquei no parágrafo anterior, nos últimos anos.

Em suma, a obra não faz uma crítica literária no sentido estrito, ou seja, não analisa os aspectos formais, mas sim o conteúdo, os temas das histórias ficcionais. E esta análise temática sempre está remetidas às comparações da ficção científica brasileira com as principais tradições do gênero, a dos Estados Unidos e da Inglaterra. Mas o alcance não termina aí. Num meritório e competente esforço de análise social e cultural, o livro leva os temas das histórias de ficção científica a uma relação com a identidade histórica, de um viés, diria antropológico, de compreensão do ser brasileiro, de como ele se comporta e sua visão de mundo a partir de seu país.

E a partir deste ponto, procura entender como a ficção científica brasileira dialoga e reflete em torno da transformação do mundo tradicional para o moderno, com a ascensão da ciência e da tecnologia na vida cotidiana e no destino futuro da sociedade brasileira. Assim, o livro faz uma leitura instigante e particular não só da ficção científica com olhar brasileiro mas, e principalmente, das luzes que o gênero lança sobre a compreensão da identidade e da cultura brasileira, e de como eles também vão se modificando ao longo da história do país.

O trabalho chama a atenção também por não se fiar às tradições da ficção científica em si, isto é, não ser um estudo hermético, auto-referente às concepções do gênero em termos comparados. Esta linha, vá lá, até é apresentada, mas dentro do panorama maior de entender as transformações da sociedade brasileira, de um ponto de vista, mais multicultural.

A revista americana Locus, de fevereiro de 2005, incluiu Ficção científica brasileira entre os principais lançamentos na área de ‘não-ficção’ nos Estados Unidos em 2004. Isso é um sinal de que a obra chamou a atennção também no principal mercado produtor e consumidor do gênero no mundo. E é mais um indicativo de que o lançamento desta obra no Brasil é um acontecimento importante para a compreensão do gênero, mesmo que o livro tenha recebido uma atenção crítica muito pequena dos meios acadêmicos e jornalísticos brasileiros, o que só mostra o quanto o gênero ainda tem de percorrer para ser reconhecido entre nós.

Marcello Simão Branco, co-autor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, é professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

[1] Aqui estabelecendo referência ao conceito de “homem cordial”, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em sua obra-prima Raízes do Brasil (1936). (voltar)
[2] Versão brasileira de The Magazine of Fantasy & Science Fiction, uma das principais da literatura norte-americana de ficção científica e fantasia. (voltar)
[3] Emblemático deste fato é o título do artigo seminal do escritor Fausto Cunha, “Ficção científica brasileira: um planeta quase desabitado”, publicado dentro do livro No mundo da ficção científica, de L. David Allen, de 1977. (voltar)

terça-feira, outubro 15, 2013

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Um clássico da ficção científica brasileira

Rubens Teixeira Scavone (1925-2007) foi o mais erudito dos autores brasileiros de ficção científica e um dos pioneiros do gênero no país. Ele foi autor do romance O homem que viu o disco voador (1958), possivelmente o mais bem sucedido livro da fc brasileira, e da antologia O diálogo dos mundos (1963), entre outros trabalhos. Scavone recebeu o prestigioso Prêmio Jabuti em 1973 pelo romance mainstream Clube de campo e presidiu a Academia Paulista de Letras por vários mandatos.
Apaixonado pela literatura inglesa, Scavone  foi buscar inspiração no clássico Contos de Cantebury, de Geoffrey Chaucer, escrito há mais de 600 anos, para produzir o seu melhor livro: O 31º peregrino, publicado pela primeira vez em 1993 pela editora Estação Liberdade, com ilustrações de Giselda Leirner.
Trata-se de uma história significativa em termos humanos e emocionais. Tocante e de estilo incomum que, através de um instrumental exclusivamente léxico, transporta o leitor para seis séculos no passado com uma eficiência rara. Ainda mais porque não segue os parâmetros protocolares da fc convencional. As descrições são ligeiras e não há muitas explicações para situar o leitor. Toda a ambientação emana do estilo rebuscado, que lança mão de uma infinidade de palavras desusadas. Esse estilo, com um quê de barroco, pode parecer estranho ao leitor moderno, mas se deve a escolha do autor que se faz passar pelo próprio Chaucer.
Contos de Cantebury relata as histórias de trinta peregrinos (entre eles, o próprio Chaucer) a caminho da Catedral de Cantebury, ao sul de Londres, onde o santificado Arcebispo Becket foi imolado pelos cavaleiros de Henrique II. Cada um dos romeiros assume um arquétipo social e por ele é batizado. Por isso os personagens não têm nomes, mas classificações: o Pároco, o Padre da Freira, o Frade Mendicante, o Monge, a Prioresa, a Mulher de Bath, o Tecelão, o Tapeceiro e o Tintureiro (que formam uma trindade importante na narrativa de Scavone), o Mercador, o Vendedor de Indulgências, o Estudante de Oxford, o Cozinheiro, o Carpinteiro, o Magistrado, o Cavaleiro, o Escudeiro, o Moleiro, o Cônego e seu Criado, o Médico, o Provedor, o Lavrador, a Freira, o Homem do Mar, o Feitor, o Proprietário Rural, o Beleguim e o Estalajadeiro.
Scavone aproveita a narrativa para fazer considerações muito interessantes sobre o Roteiro dos Peregrinos (há um mapa do mesmo na quarta capa do livro, desenhado por James Scavone) que guarda ligações com a mitologia de São Tiago e, por sua vez, remete aos primórdios de outro caminho de peregrinação, Santiago de Compostela, com uma surpreendente explicação da origem desse termo que justifica perfeitamente a releitura fantástica que Scavone dá a obra de Chaucer.
Chaucer/Scavone conta a história de um até então não citado trigésimo primeiro peregrino, que se une aos romeiros a meio caminho. Trata-se da Mulher Grávida, cujo estado parece ter relação com o sobrenatural e alarma os peregrinos católicos que, naturalmente, são muito supersticiosos.
A história relatada pela Mulher Grávida é, em si, uma jóia do horror gótico medieval, que reporta aos clássicos do sobrenatural que formam o caldeirão no qual foram cozidos todos os gêneros fantásticos modernos.
Entretanto, O 31º peregrino é uma novela de fc. É claro que, para ser classificada assim, há que se encontrar nela algum componente explícito do gênero, e ele surge à altura devida, quando a Mulher Grávida abandona o grupo durante a noite e vai encontrar seu destino, que é testemunhado pelo narrador Chaucer/Scavone. Mas isso é menos importante que os conflitos humanos que emanam das relações entre os arquétipos definidos por Chaucer e das elucubrações filosóficas, históricas e sociológicas do autor/personagem.
O livro ainda guarda muitas outras qualidades. É uma novela que mergulha no cristianismo e dele faz um discurso ambivalente. Se o afirma ou o rejeita, fica ao leitor a responsabilidade por decidir.
O 31º peregrino está entre os melhores textos da fc brasileira, ao lado de "A escuridão", de André Carneiro, e A hora dos ruminantes, de José J. Veiga, e, como tais, é leitura obrigatória para aqueles que apreciam a literatura fantástica brasileira e querem experimentar seus limites.

quinta-feira, outubro 10, 2013

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As furtivas pegadas da serpente

A ficção científica lusitana tem, inegavelmente, um padrão muito elegante e criativo. Os autores portugueses de fc&f que chegaram a publicação em seu país e aos quais tivemos acesso no Brasil, demonstram que há por lá uma vigorosa escola estilística, além de uma preocupação detalhista com a qualidade do seus escritos.
Dentre esses autores portugueses, e não são poucos, destaca-se a obra de António de Macedo, que há muitos anos logra colocar seus trabalhos nas estantes das livrarias portuguesas. Macedo tem uma carreira sólida no cinema, com nada menos que onze longas-metragens realizados, além de muitos curtas, telefilmes e séries para a TV. São seus, além de vários volumes com ensaios e peças teatrais, oito livros de fc&f, coletâneas e romances que trafegam por todos os gêneros fantásticos com igual desenvoltura, tais como O limite de Rudzki (contos, 1992), Contos do Androthélys (romance, 1993), Sulphira &Lucyphur (romance, 1995), A sonata de cristal (romance, 1996), Erotosofia (romance, 1998) e O cipreste apaixonado (contos, 2000), os dois últimos já resenhados neste blogue.
Estudioso da história portuguesa e das artes esotéricas da alquimia, Macedo aproveita toda a sua experiência para dar às suas criações um conteúdo diversificado e saboroso, no qual não se encontra qualquer descaso para com a originalidade dos enredos, a profundidade dos personagens e a qualidade literária. Não há lugar para  clichês na narração de Macedo, que demonstra não necessitar dos famosos "Protocolos de FC&F" que tanto deslumbram a maioria dos autores iniciantes - e alguns dos experientes também. As furtivas pegadas da serpente (Caminho, 2004) é, também, um trabalho emocionante e original.
O romance conta duas histórias paralelas e intercaladas. Uma mostra o dia a dia de uma equipe de filmagem a preparar um longa-metragem de ficção histórica, que é justamente a segunda história que se enlaça a primeira, sobre os dias de arrependimento do santo Frei Gil de Santarém - o médico e fidalgo Dom Gil Rodrigues – que viveu no Século XIII.
A lenda conta que esse católico fervoroso teve um passado herético, devasso e libertino, e teria em sua juventude feito um trato com o demônio, do qual se arrependeu mais tarde, atingindo dessa forma a santidade. Macedo sugere que foi o mito de Frei Gil, contado pelo Frei Batazar de São João em 1537, que inspirou o escritor alemão Goethe no seu clássico Fausto, escrito alguns séculos mais tarde e, por sua vez, também baseado na mitologia de um homem real, o Dr. Johann Faustus, que viveu no Século XVI.
Apropriando-se assim do mito faustiano, Macedo reconstrói os dias de arrependimento de Gil Rodrigues, a enfrentar os fantasmas de seu passado e a pessoa do demônio a atormentar-lhe. Além disso, tem que encarar a Santa Inquisição, que dá seus primeiros passos para eliminar a concorrência na Europa e está de olho em D. Gil, por conta de seu passado obscuro e seu inconveniente conhecimento alquímico.
Mas é a história da filmagem que de fato conduz a narrativa objetiva do romance. A roteirista Acácia é casada com Orlando, o diretor do filme e com quem Acácia digladia-se na elaboração dos personagens. Ele padece de esgotamento progressivo, na ânsia de atingir em sua criação artística os detalhes fugazes e transcendentais que lhe vão no espírito indeciso. Enquanto isso, os atores que representam os personagens no filme, incorporando o caráter de seus papéis, aprofundam ainda mais o conflito do casal levando-o a um impasse também no seu relacionamento íntimo.
As histórias não chegam a se concluir e não vão satisfazer o leitor mais acostumado com a fc&f de entretenimento, em que tudo se explica, o culpado é o mordomo etc. Não há veredito final, não saberemos de que forma o casal de artistas vai superar e conviver posteriormente aos acontecimentos dessa jornada, tampouco como teria sido a sequência da vida de Gil Rodrigues. São janelas abertas para o leitor ponderar.
António aproveita toda a sua capacidade como escritor e pesquisador na elaboração desta trama, que envolve magia, alquimia, história, filosofia, romance, drama e a sempre presente tragicomédia humana. Tudo é muito bem elaborado em se tratando de uma reconstrução épica, sobre a qual o autor mantém vigilante autocrítica na figura de uma personagem do staff  cinematográfico, uma especialista em história medieval que continuamente apresenta suas discordâncias com relação às soluções adotadas por Orlando na elaboração de seu filme, num curioso efeito metalinguístico.
As furtivas pegadas da serpente colabora com elementos valiosos para a construção de uma fc&f lusófona original, revelando o medievalismo ibérico que mal foi aproveitado pelos autores de ambos os lados do Atlântico.
Sem falar no enorme prazer que é reencontrar o modelo original da língua portuguesa, tão sofisticada e elegante, que dá um sabor especial a qualquer narrativa. O autor preocupou-se em me fornecer em privado uma chave para a tradução dos termos técnicos de cinema usados em Portugal, mas nem precisei dela, tudo é perfeitamente legível e há muitos mais pontos de identificação do que de estranhamento, o que reforça a tese que não é absolutamente necessário, quando da publicação no Brasil, "traduzir" o português lusitano para o brasileiro. Do jeito que é, está perfeito.

terça-feira, outubro 01, 2013

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Uma tentativa parcialmente bem sucedida para criar uma FC genuinamente portuguesa

Quatro Andamentos é dos tais títulos que nada dizem do conteúdo dos livros, além de tratar-se de uma coletânea de quatro histórias (neste caso, um conto, duas noveletas e uma novela) para as quais o autor não foi capaz de encontrar um elemento unificador suficientemente relevante para merecer um título genérico mais evocativo, nem achou que uma das histórias merecia o suficiente ser destacada das demais para atribuir o seu título ao conjunto.

Mas até há um fio condutor para estas quatro histórias. Há a voz do autor, claro, mas mais qualquer coisa. Uma tentativa, talvez deliberada, talvez fruto de algum acaso, para fazer uma ficção científica realmente portuguesa, com tudo o que isso tem de bom e também de mau. Uma das poucas, diga-se, visto que a ficção científica portuguesa se compraz em geral em transpor para a nossa língua e raramente para a nossa realidade temas e trejeitos típicos da FC anglo-saxónica (e tome-se aqui o termo "ficção científica" no seu sentido mais restritivo, visto que no fantástico e na fantasia as coisas são um pouco diferentes).

Basta isso para dar ao livro de Luís Richheimer de Sequeira um lugar muito próprio na FC nacional.

Mas no fim de todas as histórias, o que conta são os resultados. E há que admitir que aqui os resultados não são propriamente brilhantes.

O livro abre com a história mais curta, com o estranho título de «III». Trata-se de uma peça de FC clássica, ambientada num laboratório de investigação, parte civil, parte militar, onde se procura descobrir uma forma de tornar viável uma consciência artificial cibernética. Mas a realidade é que nas 26 páginas que o conto ocupa não se passa praticamente nada: como em muitas histórias semelhantes que nos vêm chegando pelo menos desde a golden age americana, aqui vamos descobrindo o que se passa, as motivações, as personagens, através de uma longa conversa que tem lugar entre os cientistas que desenvolvem o trabalho e um misterioso grupo que chega ao laboratório para proceder a uma inspeção. Não vemos acontecer nada: lemos apenas descrições. Só isso e apenas isso.

Na segunda história, Segunda Via, voltamos ao ambiente laboratorial, mas agora estamos num laboratório português de pesquisa em engenharia genética, que é contratado para um projeto militar da União Europeia que pretende investigar a possibilidade de reprogramar o cérebro humano. Nesta noveleta, no entanto, e ao contrário do que aconteceu no primeiro conto, o leitor segue, de facto, o desenrolar das coisas, deste o início até ao desenlace final em que nada é como se poderia supor à partida, muito embora continue a haver muita conversa, muita explicação técnica e muito pouca ação.

Depois vem a novela Ironias do Destino. Trata-se de uma história de primeiro contacto, que tem lugar entre uma nave portuguesa (chamada "D. Duarte II", o que faz supor que neste universo ficcional Portugal se teria tornado monárquico... e talvez com o atual pretendente no trono, por distópico que isso nos pareça) e uma misteriosa e extremamente avançada nave alienígena, em pleno hiperespaço. Embora lenta e semeada de apartes filosóficos e teológicos (o protagonista é o capelão da nave, um tal padre Dinis, que se vê vacilante na fé perante o que se vai desenrolando e a afirmação, por parte de uma das tripulantes, de que os alienígenas são anjos), trata-se de uma história bem construída e com um número de surpresas suficientemente elevado para prender a atenção do leitor.

A noveleta que encerra o volume, Terra Lusa, é talvez a melhor das quatro histórias. Irónica e politicamente incorreta, conta a história de um planeta situado perto da fronteira entre a área da galáxia colonizada pela Humanidade e uma área colonizada por uma espécie alienígena, os "bicharocos", com quem se prevê que a todo o momento rebente uma guerra. O planeta, originalmente chamado Omicron Seis, é atribuído para colonização à África Central mas com uma nação supervisora, que neste caso, e porque o planeta não interessa a mais ninguém, é Portugal. A primeira leva de colonos é assim composta por trinta mil africanos, dez mil portugueses e ainda outros dez mil... timorenses. E claro que as coisas começam por correr pessimamente, com declarações de independência pelos não-portugueses e um poder fraco e ineficiente mesmo nas zonas controladas pelo governador português da colónia, mas depois o espírito comercial que a lenda nacionalista atribui aos portugueses vem ao de cima e tudo entra nos eixos quase miraculosamente. Além do humor presente nesta noveleta, ela é interessante também por ser talvez o primeiro texto na FC portuguesa a reaproveitar algo do passado colonial do país para o projectar no futuro ou, até, para construir uma ficção científica em torno dele. Politicamente, os resultados são no mínimo dúbios, mas a tentativa é, em si mesma, interessante.

Em geral, o livro tem vários pecados. É muito lento, de tal modo que por vezes se torna aborrecido, todas as histórias são bastante clássicas quer na estrutura quer até, por vezes, nos temas, indo buscar referências a formas bastante antigas de olhar para a FC e de a produzir, e a qualidade do português tem algumas falhas. Mas estas acabam por ser naturais num primeiro livro, e os elementos de novidade que contém acabam por compensar parcialmente esses pecados. Pesando-se todos os prós e contras, chega-se à conclusão de que se trata de um livro que, embora nunca chegue a chegar sequer perto do estatuto de clássico, e embora nem seja propriamente bom, merece uma leitura por quem se interessa pela FC portuguesa.

Republicado, com alterações, de E-nigma (2005).